Tive a honra de traduzir o Bernd Ruf, criador da Pedagogia de Emergência na sua recente formação dada em Oeiras. A sua história é tocante. Como professor Waldorf tinha estado activo no estabelecimento de uma escola para crianças traumatizadas em Karlsruhe na Alemanha (Parzifal Schulzentrum). Em 2006 houve um encontro de jovens organizado pela cidade de Estutgarda, e a associação Freunde der Erzehungskunst Rudolf Steiners (Amigos da Arte de Educar de Rudolf Steiner) foi convidada pela Câmara de Estutgarda a trazer alunos de escolas Waldorf de todo o mundo para esse encontro. O encontro aconteceu com mais de 1500 jovens e foi uma grande festa entre culturas. No entanto, enquanto o encontro aconteceu despontou a guerra entre o Líbano e Israel. Para os organzadores do encontro ficou claro que as crianças da escola Waldorf de Beirut não poderiam voltar a casa, sendo que Beirut estava a ser bombardeado. As crianças foram alojadas em Estutgarda e receberam todo o cuidado possível para estarem bem. No entanto, ao passarem os dias, as crianças queriam cada vez mais voltar a casa e os pais também queriam muito que os seus filhos voltassem. Um certo dia a organização percebeu que não podia ter aquelas crianças mais como reféns e que os teria que levar de volta aos seus pais. O presidente da Câmara de Estutgarda então pediu ao Bernd Ruf para ele acompanhar as crianças que tinham vindo de autocarro, na viagem de volta a Beirut. E assim aconteceu. Uma viagem em condições extremas e depois a entrega das crianças aos seus pais na cidade sob bombardeamento. Naquela noite passada em Beirut, Bernd Ruf viveu pela primeira vez o que verdadeiramente é a guerra. Na entrega das ciranças, também a um orfanato, ele viu muitas crianças. A maioria delas estavam em estado de choque, traumatizadas pelos acontecimentos naquela cidade. Do seu trabalho no centro Parzifal, Bernd Ruf conhecia bem aquele estado. E sabia o que se poderia fazer para ajudar àquelas crianças para as tirar deste estado de petrificação causado pelo trauma, para evitar o desenvolvimento de doenças pós-traumáticas graves. Ao regressar à Alemanha, juntou logo um grupo de colegas e voltaram a Beirut, para ajudar às crianças traumatizadas pela guerra.
Desde então formou-se um movimento mundial de ajudantes voluntários especializados na Pedagogia de Emergência, e que viajam para locais onde aconteceram catástrofes naturais ou causadas pelo homem, para dar primeiros socorros à alma das crianças e jovens traumatizados. A progressão de um trauma foi descrita como tendo quatro fases. A primeira fase é quando acontece o trauma e os primeiros dias após este. O choque traumático dissocia os membros constituintes da organização humana (corpo físico, vital, emocional e espírito). A pessoa traumatizada entra num estado de petrificação e/ou sai de sí mesma, numa experiência de quase-morte. A segunda fase é a fase que passa entre vários dias após o trauma até meio ano após o acontecimento. Nesta fase existem inúmeros sintomas, mas ainda é possível fazer muito para que o trauma não infecte como uma ferida, mas que sare e a pessoa volte a poder levar uma vida normal. Na terceira fase após o trauma os sintomas já se transformaram em doença. Agora torna-se muito mais complicado tratar estas doenças. A quarta fase acontece quando a pessoa não consegue recuperar do trauma e as doenças causadas por este fazem com que a pessoa não consiga continuar a sua vida, os distúrbios dão um fim à vida auto-liderada e independente daquela pessoa. No decurso destas quatro fases, e se se chega à doença e à fragmentação da sua personalidade, a pessoa que sofreu o trauma pode passar de vítima a agressora, provocando agora traumas a outros. Por isso é tão importante uma intervenção precoce, logo na primeira fase após o acontecimento traumático ter acontecido, para evitar que este cause doenças que perpetuem o ciclo de traumatização ao longo das gerações. Bernd Ruf descreveu que é extremamente importante que os adultos se estabilizem rapidamente após um trauma, para poderem ajudar às crianças e aos jovens. Para fazer isso pode fazer-se as seguintes coisas: - respirar fundo, até ao fundo da barriga; - bater com os pés no chão uma série de vezes, para voltar a estar presente e firme; - nomear objectos („isto é um carro, isto é uma porta, etc.“) para reiniciar a actividade do cérebro que permite o pensamento claro; - rezar. São precisos adultos calmos, para acalmar as crianças e não causar-lhes traumas subsequentes! Depois de o adulto se ter centrado, assegura-se que as coisas estão estabilizadas no meio e que não vai haver mais feridos, depois chama-se os primeiros socorros, e a assistência médica tem prioridade acima de tudo. Depois vai-se ter com a criança. O adulto baixa-se para lhe poder olhar olhos-nos-olhos e apresenta-se e diz „Agora eu vou ficar contigo“ (e tem que o fazer). Se existe alguêm conhecido da criança por perto, é bom que esta pessoa fique com a criança. É importante prestar atenção a que a criança não fique com frio, mantê-la quente. Se ela não estiver ferida é bom dar-lhe água ou chá quente. E depois explica-se tudo o que está a acontecer à criança, para a acalmar. A criança em estado de choque vê tudo como mais um ataque, as sirenes das ambulâncias, o médico, etc. O mais importante na explicação de tudo o que está a acontecer é a expressão não-verbal do adulto, que exprime que tudo está a ser tratado e vai ficar tudo bem. Mas não se pode nunca mentir, pois isso causará mais uma grave perda de confiança por parte da criança no mundo dos adultos. Deve dizer-se a verdade mas não destruir a esperança. Isto é só um pequeno extrato, mas que mostra a importância de nós adultos nos formarmos relativamente aos primeiros socorros que se pode dar à alma após um trauma, pois quanto mais esclarecidos estamos, melhor podemos agir e ajudar para interromper o ciclo vicioso da traumatização. Está em formação um grupo de voluntários para trabalhar em Pedagogia de Emergência em Portugal! O livro „Destroços e Traumas“ do Bernd Ruf já está disponível em Portugês do Brasil, editado pela Editora Antroposófica. E aqui encontra mais sobre os „Amigos da Arte de Educar“: https://www.freunde-waldorf.de/en/
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Ambra Sedlmayr é formadora de adultos, capacitando e empoderando pessoas a viverem os seus sonhos ao contribuirem algo com significado para o mundo. Histórico
September 2022
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