Os médicos sabem que, para a cura ser efectiva, temos que ter o diagnóstico certo. Na vida social, muitos que querem ser reformadores apostam em soluções específicas sem terem pensado a fundo quais são os factores que perpetuam o problema social ao qual querem dar resposta. Precisamos de um esquema de análise que nos permite fazer o diagnóstico apropriado, para podermos encontrar o „remédio“ apropriado. O esquema de análise do grupo de Nicanor Perlas consta na figura em baixo. É importante notar que este esquema tem intimamente a haver com a „jornada da lemniscata“ (jornada de iniciação moderna em que a transformação pessoal antecede a acção exterior, descrita mais abaixo no texto). No fundo da figura está a realidade actual (nível 1) onde muitos consideram que existem os problemas. A realidade actual, no entanto, não existe por si só. Por detrás da realidade actual, existem as forças que criam essa mesma realidade. Estes são os factores económicos, políticos e culturais, ou „estruturas vigentes“ (nível 2) que estão por detrás da realidade da pobreza, das alterações climáticas, de crime, de conflitos, de corrupção etc. Quando olhamos mais de perto as „estruturas vigentes“ percebemos que estas são uma abstracção cognitiva. Não vemos uma „estrutura económica“ mas antes vemos uma rede de instituições económicas que interagem umas com as outras criando o que percepcionamos como „estruturas vigentes“. O mesmo acontece com estruturas políticas e culturais. É importante notar que estas estruturas estão conectadas e interagem umas com as outras, formando e definindo-se mutuamente, para melhor ou para pior. Na cultura, instituições que criam as estruturas culturais, são por exemplo as escolas, igrejas, associações de profissionais, os média, etc. Conjuntamente estes são conhecidos como „sociedade civil“. Na política, as instituições incluem os tribunais, os partidos, os ministérios, o parlamento, etc. Na economia, as instituições são empresas, cooperativas, PME, associações da indústria, etc. Mas, afinal, o que são instituições? E por consequência, o que está por detrás das estruturas? Afinal de contas, trata-se de colectividades, conjuntos de pessoas, de indivíduos. Assim, temos os indivíduos como quarto nível da realidade. Os indivíduos têm modelos mentais, sistemas de crenças, valores, atitudes e outros atributos internos. Juntos, estes atributos agregam-se formando um sentido mais ou menos consciente de identidade. O que importa para já é notar que estes atributos internos, estas condições interiores, afectam o comportamento dos indivíduos. E comportamento, por sua vez, afecta a performance das instituições. Pode ser uma descoberta surpreendente para muitos que algo tão intangível como um modelo mental ou um sistema de crenças ou um vício pode determinar como funciona a realidade actual. Mas isto acontece constantemente e em todo o lado. A crença na necessidade de competir na economia global é um destes modelos mentais extremamente poderosos. Poderíamos citar muitos mais. A cadeia de causalidade entre os vários níveis da realidade é a seguinte: indivíduos > instituições > estruturas > realidade actual. No entanto, acontece que devido à formatação interna de muitos indivíduos pelas instituições e estruturas vigentes, a cadeia da causalidade também pode ser invertida! Forma-se uma dinâmica circular, em que a realidade actual, as estruturas vigentes e as instituições definem largamente a realidade interna dos indivíduos, que por sua vez perpetuam o tipo de instituições, estruturas e realidades que os moldaram. Por isso, se trabalhamos apenas aos níveis da realidade actual, das estruturas vigentes e das instituições, sem trabalhar a transformação pessoal, arriscamos estar a perpetuar o sistema que queríamos mudar! Temos que trabalhar a nossa „condição interior“ e a nossa formatação para aumentar o nosso espaço de manobra realmente livre, para trazer coisas criativas, verdadeiramente novas, inspiradas pelo nosso espírito ao mundo. A jornada de iniciação – prelúdio necessário para transformar os problemas do mundo „Algumas pessoas irão ficar chateadas por se tratar mestria pessoal / autocontrolo e desenvolvimento espiritual como desafios tão urgentes como os maiores desafios da humanidade. Mas aqueles que pensam desta maneira não estão a perceber o ponto central nisto. Estamos perante os desafios ecológicos e sociais presentes que ameaçam extinguir o próprio ser humano, precisamente porque muitos de nós ainda não realizaram a busca pela sua própria natureza humana. Se continuarmos materialistas e ao mesmo tempo tentamos resistir à mecanização do mundo, os nossos esforços estão predestinados a falharem. Pois, nesse caso continuaríamos na mesma atitude mental moderna que criou os problemas que queríamos resolver. Numa concepção materialista, não existe fundamentação válida para conceitos como direitos humanos, dignidade humana, pois estes provêm de um mundo que está para além da matéria. Kurt Gödel, o sucessor de Einstein no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton, mostrou decisivamente que operando dentro de uma maneira de pensar, esta não consegue ser transcendida. Apenas uma consciência fora do materialismo, portanto uma consciência que considera a realidade espiritual, pode começar a reconstruir o mundo devastado por um sistema de crenças e de poder assentes nos princípios do materialismo. Portanto a nossa questão é: Como contribuir para superar os problemas do mundo? E como manter e desenvolver a nossa humanidade, face aos ataques omnipresentes a ela? Desde tempos remotos fala-se na jornada da iniciação. Uma jornada que acorda a nosso potencial verdadeiramente humano e espiritual em nós, uma jornada que cria novas identidades, uma jornada que acende o fogo interior e o põe ao serviço do mundo. Esta jornada tem sido descrita como a "jornada do herói" ou "jornada da lemniscata" e pode ser visualizada na forma de uma lemniscata (Símbolo do infinito). Esta jornada tem que ser percorrida por todos quantos querem lidar com os desafios que o planeta enfrenta hoje em dia. "Activistas da sociedade civil de todo mundo em especial têm que compreender e enveredar por esta jornada. Como activista tanto de movimentos para a transformação social, como de movimentos espirituais, eu (Nicanor) percebi a unilateralidade de cada um destes movimentos. Nos esforços de unir ambos, encontrei a lemniscata como símbolo adequando para representar ambos os movimentos e a jornada que temos que percorrer. Se estamos activos apenas no mundo exterior, como activistas sociais, negligenciamos as nossas fontes interiores de coragem e inspiração. Apesar de sucessos que podemos ter, geralmente acabamos com burn out. Se, por outro lado, focarmos apenas no desenvolvimento interior, os nossos esforços tornam-se irrelevantes para o mundo. Focar no nosso umbigo isola-nos do mundo e a nossa jornada interior pode tornar-se uma distracção das tarefas reais que temos no mundo exterior. A jornada da lemniscata. A jornada começa quando o indivíduo realmente encontra o mundo. Governança não democrática, globalização predadora e colisão de civilizações tomaram posse do planeta com consequências desastrosas. Neste mundo dos novos imperialismos, a humanidade está a ser desconstruída e reconstruída fisicamente (o cyborg), psicologicamente (para se tornar indiferente face aos descaramentos crescentes do novo imperialismo) e espiritualmente (rendendo a sua chama interior). Usando os conceitos de Joseph Campbell sobre a jornada de iniciação, podemos chamar esta fase de "o chamamento". O chamamento vem do mundo para nós, nós ficamos preocupados com alguma coisa específica, temos alguma questão que não nos deixa. Se tivermos a coragem de seguir a nossa preocupação e iniciar uma busca pela resposta da nossa questão, então iniciamos a jornada de iniciação. Aqueles que levam a sério a questão que enfrentam e se aventuram na busca de uma solução, têm que seguir uma busca interior frequentemente dolorosa para descobrir ou reconectar-se com o seu Espírito. Não há outro caminho. Respostas teóricas do passado ou fórmulas materialistas não serão suficientes para dar resposta ao chamamento. A jornada está agora na fase de crise, de teste interior. A "crise" inicialmente consiste em algo que poderemos comparar a estar sem abrigo, não ter casa. Já não nos sentimos confortáveis com as perspectivas e valores com que anteriormente estávamos satisfeitos e que foram a nossa "casa" ou zona de conforto até então. A separação destes hábitos de pensar, sentir e fazer causam-nos dor. Essa dor pode ser causada pela falta de sentido que enfrentamos, a falta de direcção, não se ser entendido pelos outros, etc. Mas ultimamente o objectivo desta fase de crise e teste é desfazermo-nos de velhos hábitos disfuncionais e crenças egoístas ou outros aspectos do nosso eu do dia-a-dia que nos mantêm presos ao sistema em vigor. Um encontro bem sucedido com o nosso próprio Espírito conclui esta fase de crise com a "iluminação". Na ciência social chama-se a este processo de "reframing" - encontramos uma nova perspectiva, um sentido mais amplo, transformamos a nossa identidade. Adquirimos uma compreensão profunda e a direcção para a acção estratégica torna-se clara. Também se descobre aspectos profundos sobre nós mesmos e os nossos motivos. Encontramos novas forças e capacidades para interagir com o mundo e transformá-lo. Na última fase da jornada, no "regresso", a pessoa acordada de uma forma nova, agora com um conhecimento muito maior de si mesma e do mundo assim como com novas capacidades de se relacionar e de criatividade, junta-se a outros para construir um mundo diferente. Graças ao "regresso", novas iniciativas sociais nascem e começam a florescer. Fonte: Nicanor Perlas (2011). Mission possible! Sow Courage; Harvest a New World. Centre for Alternative Development Initiatives, Manila.
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Ambra Sedlmayr é formadora de adultos, capacitando e empoderando pessoas a viverem os seus sonhos ao contribuirem algo com significado para o mundo. Histórico
September 2022
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